terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Estacao Monkey Hill




foto da "savana indiana" de monkey hill



Fui para Monkey Hill com "mochila e cuia", seguindo as instrucoes malucas de meu irmao: " Pegue o trem no sentido Lonavla- Mumbai, e quando passar a pequena estacao de Kandala e um tunel sob a montanha, talvez (detalhe para o talvez) o trem pare para fazer uma verificacao nos freios, por exatos vinte segundos. Se isso acontecer, se o trem parar, olhe para fora e se ao longe ver uma montanha com um gigantesco plato em cima, salte rapido do trem. Provavelmente vai ter que passar por cima de um milhao de indianos pendurados na porta do trem, mas lembre-se, voce so tem vinte segundos para fazer isso. Depois caminhe pelos trilhos por cinco minutos ate chegar numa pequena estacao de trem chamada monkey hill, que na verdade nao e uma estacao, mas apenas uma casa onde fica o tecnico que ajuda na verificacao dos freios, ou eventuais problemas nos trens. Pergunte ao tecnico sobre mim, e em qual montanha estou acampado. Caminhe ate la, e no sope da montanha vai encontrar pequena trilha que vai dar em quatro casas de barro e teto de palha, sao casas de pastores, as unicas da regiao, descubra qual e a casa de um menininho chamado Santosh, meu amigo, e pergunte a ele qual e a trilha para chegar no alto do plato. Santosh fala marathi, mas entende umas quatro palavras em ingles e sabe dizer "My name is Santosh." Quando chegar ao alto do plato voce vera campos e mais campos de capim amarelo, com varias "ilhas" de arvore, atrevesse toda a regiao ate chegar ate a outra extremidade da montanha, onde voce tera um deslumbre de toda a regiao, nao se preocupe, nos vamos nos achar, nao tem ninguem na montanha, so eu e os macacos e as vezes os pastores sobem para tanger o gado"


Incrivelmente consegui achar o "acampamento" do meu irmao, uma rede fabricada por ele proprio (incrivelmente bem feita, costurada e resistente), pendurada nas arvores, um "fogao" de pedras em meia-lua e so.


A natureza lembrava muito a savana africana, principalmente quando passavam ao longe os bandos dos enormes macacos da regiao. Mas se por um lado a natureza lembrava os filmes de safaris na Africa, por outro lado lembrava-me muito o cerrado mineiro, o grande sertao das paisagens de Guimaraes Rosa, obviamente sem buritis e tropas de burro, mas uma paisagem muito familiar para mim que passei muito tempo da adolescencia caminhando e dormindo com sleeping bag ou apenas um cobertor pelas montanhas da serra da Moeda e do Cipo.


As tais ilhas de arvore no meio do pasto, eram como "ocas" ja que as arvores eram arbustos semelhantes a Bougainvilles (sem flor) que se entrelacavam no alto criando um caramanchao, como uma abobada de folhas verdes. Nossas redes ficavam dentro dessas "ocas" ( Damiao ja tinha costurado uma para mim tambem).

Os tres dias que eu e Damiao passamos no alto da montanha, dormindo na rede e comendo chapatis (pao indiano feito na chapa) assados na pedra quente, com manteiga, foram maravilhosos, bem melhores para mim que tudo que ja tinha vivenciado na India ate entao.

Experimentei muito mais paz de espirito do que no ashram onde estava, envolvido o tempo todo com praticas de Yoga e meditacao. Na verdade a natureza, os campos, a solidao das montanhas e as caminhadas em florestas sempre me inspiraram mais tranquilidade e clareza mental que "ambientes de Yoga" e praticas em grupo. Desde crianca sempre tive uma grande tendencia a misantropia (que melhorou quando virei terapeuta e depois professor, pois passei a conviver mais com as pessoas), e sendo assim, sempre foi mais facil para mim vislumbrar ou desfrutar o estado de Yoga em meio a santuarios naturais do que em centros de pratica, templos ou em cursos de Yoga. Sempre fui um bicho do mato, e isso veio antes que o Yoga na minha vida: a comunhao com os bichos, plantas, flores, insetos, chuva, ar, vento, lua, ceu, sol...So mais tarde fui aprendendo atraves da meditacao como comungar comigo mesmo, e atraves dessa experiencia, estou aprendendo aos poucos como conviver com os outros, especialmente em sociedade, minha maior dificuldade, ja que minha mulher, irmao e filhos sao farinha do mesmo saco que eu, logo fica mais facil me isolar dentro de casa.



Mas a curta e proficua estadia na montanha dos macacos nao foi simplesmente introspeccao e quietude, pois eu e Damiao - desprovidos do velho violao e do tambor - tivemos que nos contentar com um violao imaginario e com um "tambor de barriga" ou com batuque na perna (e como diz o sagrado Deus da percurssao Nana Vasconcelos : "O melhor instrumento e a voz, depois vem o corpo"). E passamos horas da noite cantando as velhas cancoes da estrada, dos tempos de artesao e viajante e de quando eu e Damiao viajavamos para todo lado. E da-lhe Sa, Rodrix e Guarabyra, O Terco, A Barca do Sol, Marcos Valle ( na fase hippie) e mil outros (folck) rock rurais dos anos setenta como Dylan e Richie Ravens. Um desbunde total, a fogueira, as noites estreladas de rock'n roll primitivo e dois loucos solitarios uivando para a lua.