terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Para alem dos muros de Belo horizonte

Muitas pessoas tem medo de sonhar e nem se dao conta disso. Passam a vida interrompendo "o fluxo do rio" por medo de nao conseguir chegar, ou de nao saber onde estas aguas irao levar. Para nao ter que enfrentar a correnteza preferem a seguranca da margem, de onde podem permanecer observando aqueles que tiveram coragem de nadar....E fingem contentar-se com a bela vista da sacada do predio.

Sente em um lugar bem alto, o mais alto que puder chegar, e observe a vista, a maior area de alcance que seus olhos puderem vasculhar...Qual e o limite de seu horizonte? Quais sao os limites que voce criou a fim de que seus olhos nao enxergassem alem desse horizonte?

Alem nao e possivel enxergar, mas sempre e possivel ir e chegar, e isso se consegue atraves da fe.

Cris

Pausa nessa ladainha

Ola pessoal,

Vou dar uma pausa nessas reminiscencias de viagem e quebrar essa minha linha de tempo imaginaria. Outros da familia estao querendo postar tambem, sobre outros assuntos e eu nessa monotonia e nessa demora em postar mais assuntos. Estamos ha quarenta dias em Rishikesh, e eu ainda estou la na montanha dos macacos, contando "causos" de fogueira e nada do Yoga indiano. Semana que vem retorno para contar sobre outros passos e percalcos no percurso ate Rishikesh e comecaremos entao a conversar sobre Yoga, em realidade.

Um abraco
Rodrigo

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Estacao Monkey Hill




foto da "savana indiana" de monkey hill



Fui para Monkey Hill com "mochila e cuia", seguindo as instrucoes malucas de meu irmao: " Pegue o trem no sentido Lonavla- Mumbai, e quando passar a pequena estacao de Kandala e um tunel sob a montanha, talvez (detalhe para o talvez) o trem pare para fazer uma verificacao nos freios, por exatos vinte segundos. Se isso acontecer, se o trem parar, olhe para fora e se ao longe ver uma montanha com um gigantesco plato em cima, salte rapido do trem. Provavelmente vai ter que passar por cima de um milhao de indianos pendurados na porta do trem, mas lembre-se, voce so tem vinte segundos para fazer isso. Depois caminhe pelos trilhos por cinco minutos ate chegar numa pequena estacao de trem chamada monkey hill, que na verdade nao e uma estacao, mas apenas uma casa onde fica o tecnico que ajuda na verificacao dos freios, ou eventuais problemas nos trens. Pergunte ao tecnico sobre mim, e em qual montanha estou acampado. Caminhe ate la, e no sope da montanha vai encontrar pequena trilha que vai dar em quatro casas de barro e teto de palha, sao casas de pastores, as unicas da regiao, descubra qual e a casa de um menininho chamado Santosh, meu amigo, e pergunte a ele qual e a trilha para chegar no alto do plato. Santosh fala marathi, mas entende umas quatro palavras em ingles e sabe dizer "My name is Santosh." Quando chegar ao alto do plato voce vera campos e mais campos de capim amarelo, com varias "ilhas" de arvore, atrevesse toda a regiao ate chegar ate a outra extremidade da montanha, onde voce tera um deslumbre de toda a regiao, nao se preocupe, nos vamos nos achar, nao tem ninguem na montanha, so eu e os macacos e as vezes os pastores sobem para tanger o gado"


Incrivelmente consegui achar o "acampamento" do meu irmao, uma rede fabricada por ele proprio (incrivelmente bem feita, costurada e resistente), pendurada nas arvores, um "fogao" de pedras em meia-lua e so.


A natureza lembrava muito a savana africana, principalmente quando passavam ao longe os bandos dos enormes macacos da regiao. Mas se por um lado a natureza lembrava os filmes de safaris na Africa, por outro lado lembrava-me muito o cerrado mineiro, o grande sertao das paisagens de Guimaraes Rosa, obviamente sem buritis e tropas de burro, mas uma paisagem muito familiar para mim que passei muito tempo da adolescencia caminhando e dormindo com sleeping bag ou apenas um cobertor pelas montanhas da serra da Moeda e do Cipo.


As tais ilhas de arvore no meio do pasto, eram como "ocas" ja que as arvores eram arbustos semelhantes a Bougainvilles (sem flor) que se entrelacavam no alto criando um caramanchao, como uma abobada de folhas verdes. Nossas redes ficavam dentro dessas "ocas" ( Damiao ja tinha costurado uma para mim tambem).

Os tres dias que eu e Damiao passamos no alto da montanha, dormindo na rede e comendo chapatis (pao indiano feito na chapa) assados na pedra quente, com manteiga, foram maravilhosos, bem melhores para mim que tudo que ja tinha vivenciado na India ate entao.

Experimentei muito mais paz de espirito do que no ashram onde estava, envolvido o tempo todo com praticas de Yoga e meditacao. Na verdade a natureza, os campos, a solidao das montanhas e as caminhadas em florestas sempre me inspiraram mais tranquilidade e clareza mental que "ambientes de Yoga" e praticas em grupo. Desde crianca sempre tive uma grande tendencia a misantropia (que melhorou quando virei terapeuta e depois professor, pois passei a conviver mais com as pessoas), e sendo assim, sempre foi mais facil para mim vislumbrar ou desfrutar o estado de Yoga em meio a santuarios naturais do que em centros de pratica, templos ou em cursos de Yoga. Sempre fui um bicho do mato, e isso veio antes que o Yoga na minha vida: a comunhao com os bichos, plantas, flores, insetos, chuva, ar, vento, lua, ceu, sol...So mais tarde fui aprendendo atraves da meditacao como comungar comigo mesmo, e atraves dessa experiencia, estou aprendendo aos poucos como conviver com os outros, especialmente em sociedade, minha maior dificuldade, ja que minha mulher, irmao e filhos sao farinha do mesmo saco que eu, logo fica mais facil me isolar dentro de casa.



Mas a curta e proficua estadia na montanha dos macacos nao foi simplesmente introspeccao e quietude, pois eu e Damiao - desprovidos do velho violao e do tambor - tivemos que nos contentar com um violao imaginario e com um "tambor de barriga" ou com batuque na perna (e como diz o sagrado Deus da percurssao Nana Vasconcelos : "O melhor instrumento e a voz, depois vem o corpo"). E passamos horas da noite cantando as velhas cancoes da estrada, dos tempos de artesao e viajante e de quando eu e Damiao viajavamos para todo lado. E da-lhe Sa, Rodrix e Guarabyra, O Terco, A Barca do Sol, Marcos Valle ( na fase hippie) e mil outros (folck) rock rurais dos anos setenta como Dylan e Richie Ravens. Um desbunde total, a fogueira, as noites estreladas de rock'n roll primitivo e dois loucos solitarios uivando para a lua.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Lonavla
A ida para Lonavla nao foi estrategica simplesmente pelo periodo curto para estudar antes das criancas chegarem, mas tambem pelo fato de que meu irmao estava acampado nas montanhas ao redor da pequena cidade, que tem alguns antigos santuarios e monasterios budistas, que foram construidos e esculpidos diretamente na rocha, dentro de cavernas e ja estao abandonados ha seculos. Queria encontrar meu irmao depois de um mes sem ve-lo.

No Ashram nao vi nada de excepcional, nada alem do normal, o bom e velho Hatha-Yoga basico. Praticas com enfoque em ciktisa, palavra em sanscrito que significa tratamento, inspiradas no Ayurveda e Yogaterapia. Para mim foi valido, ja que nao esperava que em tao pouco tempo fosse ver algo mais que o basico, e foi suficiente para poder experimentar pela primeira vez o ambiente de um Ashram, que e o local ou comunidade de ensino onde as pessoas moram, trabalham e estudam com seus mestres e professores

Infelizmente nao tenho fotos das cavernas, pois eu nao tive tempo de conhecer, e meu irmao estava sem maquina na epoca, mas quem sabe no retorno ao sul da India, tenho tempo de tirar fotos.

Voltando a dar noticias

Ja estamos em Rishikesh, "a capital mundial do Yoga", com toda a familia reunida, e como ja estamos instalados e adaptados a ardua rotina de estudos, vou tentar me organizar para fazer postagens regulares.

Vou comecar pelo que aconteceu no inicio da viagem, em Puna e Lonavla, duas cidades do estado de Maharashtra, proximas da horripilante megalopole Mumbai.

Cheguei em Puna com o intuito de estudar durante um mes com os filhos do Iyengar, que e na minha opiniao o maior professor de Hatha-Yoga (acessivel) ainda vivo, mas como minha mulher chegaria com as criancas em dezesseis dias, desanimei do objetivo, pois nao me agradava a ideia de instala-los em Puna. Alem do mais, eu iria retornar a esta cidade no final da viagem para estudar Ayurveda por cinquenta dias e teria tempo de sobra para praticar no centro do Iyengar, sem estar com as criancas no periodo de marco/abril. Com essas conclusoes, mudei os planos e resolvi ir para Lonavla, onde ha o famoso instituto Kaivalyadhama, fundado pelo swami Kuvalayananda, provavelmente o primeiro preceptor a introduzir mudancas no ensino de Yoga, criando aulas em grupo, na decada de 20, acredito. Durante milenios o Yoga foi ensinado pelo sistema de parampara, a sucessao discipular, onde um mestre ensina seus conhecimentos a um discipulo, ou filho e dessa forma o conhecimento foi transmitido atraves das geracoes, construindo as tradicoes de Yoga e de outros sistemas de filosofia da India.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Elemento perigoso à solta



Olhe a cara de louco desse sujeito, alguém com esse olhar niilista e fora do mundo pode estar correndo perigo?


Veja o cabelo assanhado e o número da ficha criminal do elemento. E olha que ele tinha só um mês e meio nessa época.


Esse vai ser nosso guarda-costas, nosso protetor aqui na Índia.

Manifesto inicial


Resolvemos chamar de avadhuta o nosso blog, por estarmos de saco cheio de ouvir a ladainha : " Vocês são loucos!": de viajar pela Índia com três crianças"; "de levar um neném que fez uma cirurgia quando nasceu para aquele país imundo"; "de arriscar dessa forma" e etc, etc, etc.
A palavra comum a todas as frases era o termo loucura ou louco.

Segundo o dicionário Michaelis, loucura quer dizer : " Estado de quem é louco. 2 Desarranjo mental que, sem a pessoa afetada estar ciente do seu estado, lhe modifica profundamente o comportamento e torna-a irresponsável; demência; psicose. 3 Ato próprio de louco. 4 Insensatez. 5 Aventura insensata. 6 Grande extravagância."

Não consigo conceber uma viagem de estudos em busca de auto-conhecimento, mesmo com todos os riscos que possa implicar, como "aventura insensata", ou comportamento irresponsável.

O conhecimento só pode ser adquirido através do estudo, da observação adequada e da experiência. Vamos à Índia atrás de estudos, da obervação e da experiência direta.



Qual é o preço da experiência? Os homens a compram com uma canção?

Adquirem sabedoria dançando nas ruas? Não, ela é comprada pelo preço

de tudo que um homem possui , sua casa, sua esposa, seus filhos.

A sabedoria é vendida num mercado sombrio onde ninguém vem comprar,

e no campo infecundo que o fazendeiro ara em vão por seu pão


William Blake


Em tempos de Índia pop, Yoga fast-food e modismos de espiritualidade, quando os enfeites e adornos indianos conquistam as casas de madames e work-shops caríssimos com gurus indianos são lotados em todos as cidades em suas longas turnê, resolvemos transferir nossa casa, nosso lar durante uns meses para a Índia, a fim de ver com os próprios olhos (pratyaksha) - sem a intermediação de pacotes turísticos que camuflam - a sujeira, a miséria, as bizarrices e idiossincrasias, mas também ver e conhecer a gigantesca espiritualidade do subcontinente indiano. Digo gigantesca, pois é muito ampla em opções e diversidade e também devido à quantidade de tipos de conhecimento que conduz à iluminação.


Viemos atrás dos grandes sábios que ainda existem por aqui, para pelo menos poder "respirar" o mesmo ar que eles, mesmo que poluído e ressecado em algumas cidades. Viemos atrás dos conhecimentos tradicionais, que ainda não foram adaptados para o gosto e o modus vivendi ocidentais. Exatamente por isso que o professor de Ashtanga vinyasa Yoga que vos fala, não vai à meca do Ashtanga, Mysore, praticar com o superstar do método.


Não temos tempo, energia, disposição, e nem dinheiro para buscar o brilho falso da Índia. Viemos em busca de mestres autênticos e verdadeiros, e também do contato com o povo, tão repelido pelas pessoas, segundo observo em relatos de viagem para a Índia, em blogs de europeus e norte-americanos e até mesmo de professores brasileiros. Observo um grande repúdio das pessoas em relação aos serviços na Índia, aos hábitos do povo indiano, uma grande crítica à miséria, sujeira, doenças, falta de progresso, como se eles tivessem culpa de tudo. Como se nós do ocidente não tivéssemos grande culpa pela desgraça do oriente, por causa de nossa exploração econômica, da sustentação desse sistema patético e frágil e da maldita globalização. Nós também somos responsáveis, e sendo assim, não adianta vir para a Índia se internar em ashrams ou spas e querer fechar os olhos, fingindo que a Índia é somente espiritualidade e cheiro dos incensos nag champa.


Viemos para a Índia com nossos filhos, tomando evidentemente todos os cuidados, tal qual tomaríamos em casa, porque não achamos que os filhos dos indianos sejam piores dos que os nossos. Se eles aqui vivem, é possível trazer os nossos para experimentar e aprender também.


Isso não quer dizer, que os inevitáveis problemas que surgirão não vão nos preocupar ou nos tirar do sério, mas sim que vamos tentar ter compreensão com as dificuldades - ou o que julgamos sê-las - já que somos nós que viemos para cá, por nossa própria escolha e esforço, então de nada vale reclamar do povo indiano. Quem viaja pela Bahia tem motivos semelhantes e constantes para se irritar, e todo mundo volta para a Bahia, e lá não tem conhecimento libertador, mas sim axé music em cada esquina, comida ruim e muitas praias feias (entre uma ou outra bonita), todas supervalorizadas pela mídia.


Para piorar a situação desse quadro, a rede globo dá um presente de grego para os professores de Yoga e terapeutas ayurvêdicos filmando uma novela sobre a Índia que será lançada ano que vem. Que castigo ! O que será que nos reserva para quando voltarmos ? Será que vamos voltar e encontrar todo mundo dançando as ridículas coreografias dos filmes indianos de Bollywood? Que tipo de sacanagem vão fazer com a cultura milenar desse país ?

Ninguém merece ! Por isso mesmo resolvemos ir logo para a Índia, pois quanto mais tempo levar, mais o conhecimento verdadeiro e os mestres verdadeiros vão se escondendo dessa invasão da "cultura ocidental", que vai dominando a Ásia por todos os lados, comendo as culturas antigas pelas beiradas.

Essa é uma das respostas, à pergunta sobre o motivo pelo qual resolvemos vir agora, com uma criança de 11 anos, uma de três e um bebê de três meses. Não sei que Índia, meus filhos podem conhecer, quando vierem por sua própria conta, não sei se vai ser possível encontrar facilmente locais apropriados para estudar, ou se ainda vai existir a natureza local. Embora o neném não aproveite ainda a viagem, certamente vai ser maravilhosa para as duas meninas. Evidente que nossos filhos não estão acostumados com o "ambiente" indiano, mas por outro lado, podemos dizer, que não criamos nossos filhos pelos padrões convencionais.


Mas voltando ao assunto, o que é avadhuta, e o que tem a ver com uma família de malucos viajantes?


Avadhuta é o protótipo indiano do louco. E como na Índia antiga, tudo se relacionava de alguma forma à espiritualidade, podemos dizer que o avadhuta é o louco santo, o "louco de Deus", aquele sujeito que se livrou de todas as convenções e atitudes que o caracterizam, dentro das normas de sua sociedade, como cidadão normal. O avadhuta, em busca de sua libertação espiritual, ignora tudo aquilo que lhe parece um fardo, todas as máscaras sociais, e simplesmente pára de se importar com a opinião alheia, as regras estabelecidas, o status quo. Ele deixa fluir de dentro, aquilo que é autêntico. O avadhuta se livra de seus condicionamentos, suas aspirações sociais e nega-se a se corromper para ser aceito. A palavra quer dizer literalmente "que lançou fora", alguém que "se livrou" das correntes que o caracterizavam como homem normal. Mas suas aspirações sempre são o conhecimento e o domínio de si mesmo, além do ensino pelo exemplo. Na concepção do avadhuta, as transgressões de regras que são humanas, mas que não espelham as leis universais, é uma forma de libertar-se de vícios e condicionamentos.


Como temos bastante identificação com a cultura do avadhuta, e como realmente não aguentamos mais ouvir que somos loucos, principalmente agora, por estarmos indo estudar na Índia com as crianças, resolvemos então homenagear os santos loucos da Índia, batizando o blog da viagem de : "Caravana Avadhuta". Que as aspirações espirituais e metafísicas desses buscadores nos inspirem a transgredir o senso comum em busca do verdadeiro aprendizado. Não somente nessa viagem, mas sempre, na grande jornada que é a vida.


P.s: Já que nos deram a fama, agora vamos deitar na cama. Viemos com Deus e ao invés de nos agorar, pedimos que torçam por nós.