segunda-feira, 31 de agosto de 2009

"Encalços e percalços"

Quando criança me ensinaram que na vida eu precisava ter força. Mas acho que esqueceram de me dizer apropriadamente o que era a referida. Bom, eu tinha um modelo em casa, que talvez seria o natural de se seguir. Mas acontece que o tal modelo, agora que tenho mais informações para poder analisar, não era assim tão adequado à idéia que hoje faço a respeito de força. Sabe autoritarismo? Pois é, acho que tava mais para isso. É íncrivel como as pessoas confundem autoritários com fortes. "Nossa, fulano é tão forte", e o que vemos é uma pessoa toda armada, botando ordens e morrendo de medo de se relacionar de outra forma.

Mas, voltando à bendita força, precisamos cavá-la muitas vezes nessa viagem. Situações complicadas, nas quais os ânimos deveriam se manter sob controle para tomarmos as decisões certas, para aguentarmos as turbulências das longas trajetórias, os saculejos sobre as pedras do caminho (rsrsrss... literalmente falando).

Para começar, Bombain. Quem conhece que não te compre. Portal de chegada. Mamãe urso e mais três pequeninos indefesos da prole. O mais confiante e seguro era o Ravi, o neném de três meses que não tinha idéia da metade da missa que estavam lhe enfiando goela abaixo. Na verdade, Ravi curtiu demais tudo. Talvez quem mais curtiu, pois não passou diretamente por nenhum perrengue. Só passeando na "cacunda" do papai e da mamãe, nosso caracolzinho em sua casinha ambulante. Admirando as árvores ("arvrrr"...) que adora, com seus olhinhos gigantes e brilhantes percorrendo diversas paisagens e rostos diferentes.
E, ao falar nesses rostos diferentes, lembrei de um perrengue pelo qual o Ravi esporadicamente passava. A forma como os indianos e nepaleses pegam as crianças no colo e jogam elas para cima é de congelar o nosso coração! No início, passava por essa adrenalina constantemente. Eles adoram as crianças, acham que são verdadeiros deuses e por isso querem sempre tocá-las, como se recebessem bençãos fazendo isso. Após algum tempo de experiência, fui ficando mais esperta e sabia dar um jeitinho de despistar e poupar o Ravi dos arremessos sem ofender os brios de ninguém. Bom, esse foi o drama pessoal do Ravi durante a viagem, seu bom combate. Na verdade digo isso, mas quem ficava com os olhos arregalados, as pernas bambas e o coração acelerado eram os pais que tinham um certo discernimento. O danadinho morria de rir da situação.

Voltando às nossas pelejas, estas começaram mesmo muito antes de botarmos os nossos pezinhos em Bombain. Sabe a mulher quando fica grávida pela primeira vez e se tivesse noção da dor do parto, talvez por medo teria evitado engravidar? Pois é, quando decidimos viajar, não tínhamos idéia da dor do parto, ou melhor, dos partos, pois foram mais de um.

Primeiro parto: documentos! Os meninos (aqui me refiro ao Rodrigo e ao Damião, seu irmão) eram indigentes. Simplesmente não existiam nos arquivos do sistema. O Rodrigo ainda tinha carteira de motorista, pelo menos. Mas só isso. Tive que promover o renascimento deles na sociedade. Falo de mim porquê fui eu mesmo que tive que administrar isso, pois como haveria de cobrar isso deles? Era como soltar dois neandertais na Avenida Paulista. Dois marmanjos sem documento e sem "identidade" própria ( isso seria uma ironia se não fosse verdade nesse caso, pois eles não tinham identidade mesmo, a famosa C.I. que até indigente tem. A Flora com 11 já tinha.)


Sabe o filme "Família Buscapé"? Lembrava sempre dele nos compromissos burocráticos, quando íamos requisitar nossos "papéis" na Receita Federal, Justiça eleitoral, e por aí vai. Era muito engraçado quando observava sob a perspectiva de quem está de fora vendo nossa família toda, pois saíamos em comboio, esperando nas filas do Estado. A família busca pé - de- chinelo. Sem combinar, éramos todos os "com chinelos de dedo" em meio aos "com ternos e gravatas". Isso por si só já nos garantia muitas risadas.


Outro parto: dinheiro. Quem dera fosse fácil assim: resolvemos ir, tiramos o dinheiro da nossa rica poupança e pagamos as passagens. Ou ainda: nossos pais "bem -de-vida", resolveram acreditar na próspera carreira dos "malucos", e bancar nossa "pós-graduação" no exterior.

Bom, imprudência, maluquice, irresponsabilidade ou seja lá qual for o diagnóstico de nossa conduta, fato é que a resolução de irmos veio antes dos meios necessários para conseguirmos. Isso significa dizer que não tínhamos dinheiro suficiente nem para comprar as passagens, na verdade, nem para pagar toda a papelada que precisava, muito menos para nos manter lá por um período.

Tínhamos um carro velho e guerreiro, ou melhor seria dizer, uma carroça ( já famosa pelos mil enguiços) e muita vontade, quase uma certeza, insensata, baseada em coisa nenhuma palpável, a não ser no nosso próprio "achismo" de que deveríamos ir.

Se estava no nosso destino, escrito nas estrelas, ou qualquer coisa parecida que normalmente se diz quando falam de sonhos, não sei dizer. Mas com certeza o universo conspirou bastante para realizarmos. A favor e contra também!

Mas, o desenrolar dessa dinâmica de conspiração contra e a favor do universo vou deixar para contar depois pois esta postagem já está muito grande. Aliás, acabamos de resolver que vamos iniciar uma série de postagens só sobre os perrengues. Lembramos de vários que, como todo drama, possuem um alto potencial para ser engraçado... Agora, depois que já passou!