sexta-feira, 29 de maio de 2009

O portal de entrada no Nepal


Vale a pena falar sobre essa entrada no Nepal, o quanto foi mágica e o quanto é linda essa via de acesso por Mahendranagar, a primeira cidade do Nepal saindo por Banbassa (a ultima da Índia). É como sair do inferno e passar por um portal, que é o caminho até chegar na fronteira. Abençoada desonestidade do motorista do rikshaw, que nos fez decidir atravessar a pé e vislumbrar uma cena que desmontou toda minha insegurança de tão inebriante, ou melhor, "ineblinante"! Uma neblina que dava a sensação de estar entrando no céu, ou em um cenário das Brumas de Avalon. Uma paisagem bucólica e alquímica, que enlevou os sentimentos de todos e permitiu que entrássemos no Nepal completos de paz.



Compensa muito conferir essa rota, quem deseja migrar da Índia para o Nepal via terra. Nao é um caminho nada conhecido entre os turistas, que geralmente preferem as vias aéreas ou os fretes de automóveis particulares. Esse é o trajeto comum que fazem os nepaleses que vivem na Índia. E para fazê-lo, é bom estar preparado para encarar o temido "local bus" e enfrentar situações inusitadas, tipo viajar com cabras, cinco pessoas para dois lugares, ônibus gelado sem janelas, inúmeras paradas para longas refeições, dentre outras. Mas é uma rota mais "rápida" (dentro dos padrões indianos) e muito bonita.


Entrada triunfal no Nepal


quinta-feira, 28 de maio de 2009

Lua cheia em Rishikesh

Primeira lua cheia nas montanhas próximas ao Himalaya, pelo menos o mais próximo que já chegamos dessa grande cadeia montanhosa. Pode parecer que é simplesmente uma lua cheia numa serra de montanhas bem altas, como poderíamos ver na serra dos órgãos, penedo ou itaiaia. Mas, obviamente, percebemos que é bem diferente. O rio Ganges, o Ganga Nadi, faz toda a diferença quando visto do alto das montanhas. O ar é diferente. Frio, seco, e o vento vem com o sopro dos ascetas, dos santuários de sábios e yogis que ficam nos limites dessa gigantesca serra que precede a cadeia de picos nevados.




Amanhecer no Ganga, visto das montanhas

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Incredible India


Estávamos em uma lanhouse em Rishkesh, onde trabalha o Ravi, um amigo nosso, quando passou um ratinho minúsculo, passeando entre os pés das pessoas que usavam os computadores. O dono do espaço apontou para o rato e, ao contrário do que se espera de um proprietário de loja no Ocidente, que ficaria no mínimo constrangido com a situação e provavelmente tentaria assassinar o infeliz, ocorreu o contrário, o senhor apontou para o rato e celebrou a sua presença em alto e bom tom:

- Ganesha!, disse ele com um sorriso nos lábios como se aquilo fosse sinal de boa sorte. ( Os hindus acreditam que o Deus Ganesha tem como vahana, que é o veículo pessoal de cada Deus, um rato)

Ravi, compartilhando da satisfação do chefe, voltou-se para seu xará, o nosso Ravi, e disse:

- He is your brother! He is like you!

Em um momento o ratinho parou bem ao lado do pé do Rodrigo. Fiquei receosa dele entrar em sua roupa, como presenciamos acontecer com um amigo no Nepal. Achei que o Ravi nosso amigo estava coadunando com a mesma preocupação quando gritou ao Rodrigo: "cuidado!" (be careful!), mas Ravi estava com medo do ratinho ser pisoteado e só relaxou quando o ratinho se escondeu em um cano dentro da loja. "Uf....Safe now" Ele disse.

Alguns minutos depois, foi engraçado, pois o ratinho ameaçou sair da loja, e o Ravi começou a gritar : No, no, no! "Come back ! The street is very dangerous to you."
Que nobreza de sentimentos.

terça-feira, 26 de maio de 2009

" O que seria dos Himalayas sem o sol?"


E o que seria do sol sem os Himalayas para colorir?


E o que seria dos dois sem a nossa presença os percebendo e admirando?

Em uma ousada passagem de Gitanjali, o canto de oferenda, o poeta Tagore diz: "Ó Senhor, o que seria de ti sem o meu amor". Assim como o criador necessita do amor da criatura e de sua admiração e fidelidade, o criador e a criatura necessitam da experiência da consciência.

Necessitam do observador, "daquele que vê", o "vidente" - no sentido de alguém que vê.

Necessita de uma consciência que testemunha (sakshi) ou quer dizer, a existência que tem consciência (Sat-chita) de si mesmo, que se compreende como sendo o Ser, e não os "objetos" que o circundam com seu "brilho" próprio.

Quando digo objetos, me refiro ao sentido que Patanjali dá ao termo vishva, que significa mundo, ou universo e tudo que nele está contido, e que na concepção do Yoga clássico é referente a tudo aquilo que não é este Ser, essa "centelha de consciência" que somos.

Quando escrevo "brilho", quero me referir à fascinação, ao colorido, ao efeito que estes exercem sobre nós. Até mesmo a mente e os pensamentos fariam parte desse "mundo" que nos cerca, mas que verdadeiramente, "cerca" o Ser. Ou melhor seria dizer que "encobre", "superimpõe", como propõe o vedanta.

O ser seria um viajante carregando uma enorme quantidade de coisas. Alguns viajam levando o estritamente necessário, outros carregam uma enorme quantidade de tralha, coisas desnecessárias e supérfluas. Alguns levam sua existencia de forma simples, seu corpo, mente, sua expressão energética e vão anulando karmas, livrando-se de resultados indesejáveis de ações errôneas pregressas. Outros vão acumulando uma bagulhada lascada, carros, casas, terras, móveis, riquezas, posses e muita carga, seus karmas que nada mais são que suas ações e respectivos resultados e principalmente mágoas, rancores, manias, neuroses e traumas. Preocupações, problemas e irritações, uma carga muito pesada para se carregar ao longo da vida, geralmente disfarçada sob o nome de responsabilidade. E como é pesada a tal mala da responsabilidade. Como colocamos tralha nas costas para carregar.

O nome disso tudo em sânscrito é upadhi, e "superimposição" seria uma das possíveis e prováveis traduções. Tal qual um caracol, colocamos "nossa casa", nossa bagagem nas costas e saímos carregando pelo mundo. Um dia, todos nós teremos que ir nos livrando de tudo que pesa, de tudo que carregamos, para aos poucos ir nos transformando novamente naquele Ser simples, e ao mesmo tempo completo, ou seja, a nossa essência. É nossa escolha optar por ter que se livrar um dia de uma carga muito pesada, estando exaustos pela jornada, ou simplesmente tirar das costas uma bagagem mais simples e simplesmente ser feliz.

" As asas de ouro e o sentimento de papelão"



Quando eu era pequena, todos os dias sonhava que flutuava baixinho, a mais ou menos um palmo do chão. E andava flutuando... Eu sonhava tanto com aquilo, que para mim parecia uma realidade. Até o dia em que percebi que não sonhava mais e que aquilo era só um sonho ou seja, eu não podia voar! Fiquei desesperada quando descobri isso, mas logo isso se acalmou e eu esqueci. Um dia antes de vir para a Índia, na casa do Tio Paulo, tudo aquilo teve um sentido, pois eu pensei: " naqueles sonhos, eu voava baixo, amanhã voarei alto..."




Mas quando vim para a Índia...



*"Ouvi dos lábios da cigana
Você se engana
É tão difícil ver na frente
com seu medo.
Durante o dia,
se você deita...
a cama feita
o inimigo espreita.
Você estremece...
mas fica mudo de horror
e treme de pavor..
Durante a noite é diferente
tá tudo escuro.
Se você pensa no futuro,
cai no sono.
E nos seus sonhos, subtamente,
a cama feita, o inimigo espreita.
Você estremece...
mas fica mudo de horror
e treme, de pavor.
No outro dia o mesmo medo
a mesma hora.
A solidão vem desde cedo
lhe devora
Não adianta, ela não passa
Qualquer que seja a reza que você faça
Porque no fundo
você não pode suportar
a hora de arriscar!"



MAS ISTO PASSOU!


Pois, eu combati o bom combate! O bom combate, segundo Paulo Coelho coloca num livro que estou lendo agora na viagem é:


" Nos tempos de antigamente, as pessoas lutavam por terras a serem conquistadas. Mas hoje as coisas mudaram e as pessoas lutam o bom combate consigo mesmas.


O bom combate é aquele que é combatido não pensando no que passou ou no que passará, e sim no processo e no que está acontecendo, independente se é bom ou ruim."



E AGORA, FINALMENTE E NOVAMENTE....


" Eu tenho asas, posso voar
posso voar bem perto, bem lá no céu
posso no ar morar
a voar, a voar."





Flora

*Obs: Quando a Flora chegou na Índia, teve uma crise de pânico e desespero e não queria nem descer do avião. Depois quando chegou em Rishikesh não queria voltar para o Brasil de jeito nenhum. As duas músicas que ela escolheu explicitam bem o antes e o depois, as duas situações na cabeça de uma menina senível de 11 anos. Ela colocou primeiramente a letra da música "Corra o risco" do primeiro lp da Olivia Biyngton de 1978, antes dela virar mais uma cantora de mpb chata e sem sal e a outra música é do genial Marcos Valle, na fase que ele já tinha rompido com a turma da bossa nova, em 1974. Duas músicas que não saiam do walk-man dela. Quem curtir música antiga pode procurar nos blogs da vida.

Cris


A serpente de ouro

Ontem subimos a montanha mais alta "avistável" na região. Trilha linda, às vezes mata, às vezes vales com florestas, terraços com campos cultivados e casinhas de camponeses nas montanhas ao redor. Um clima de Himalaya, daquilo que vem pela frente ... Vimos um pôr do sol como não via há alguns anos. Esplêndido, colossal... e, no meio do seu caminho para desaparecer na terra, o sol se camuflou na bruma, escondeu seu manto dourado e se transformou numa imensa lua de fogo vermelho. Ficamos contemplando em silêncio, meditando e vislumbrando o Ganges serpenteando entre as montanhas como uma longa serpente de cor dourada. O Ganga roubou o brilho do sol e se transformou num rio de ouro.




"O crepúsculo é a fresta entre os dois mundos", disse certa vez o velho brujo Don Juan, o índio Yaqui que ensinou Castañeda. Lembrei-me disso quando atrás de mim já crescia a noite e à frente, o poderoso astro-rei ia mergulhando na terra, atravessando a densa bruma, cedendo lugar à lua cheia e prateada que vinha atrás. Sol e Lua, Shiva e Shakti, consciência e força-energia.